Por que Akira é tão foda?

Baseado em um mangá publicado de 1982 à 1990, Akira é uma animação japonesa de pouco mais de duas horas lançada em 1988, criado e dirigido por Katsuhiro Otomo, e considerado até hoje um dos símbolos da estética cyberpunk, junto com obras como Blade Runner e Ghost In The Shell.

Akira se passa em 2019 num universo distópico na chamada Neo-Tóquio, uma nova Tóquio que foi reconstruída após sua destruição na terceira grande Guerra Mundial. Neo-Tóquio é uma cidade desacreditada, onde a educação não funciona mais, a tecnologia controla tudo junto com corporações corruptas e as pessoas estão fadadas ao fracasso social. No meio disso tudo, temos Kaneda e sua gangue de motoqueiros que buscam o domínio da região em lutas contra gangues rivais. Em uma destas brigas, Tetsuo, o mais novo do grupo, se separa e acaba colidindo com uma criança extremamente estranha, com um aspecto de idoso, e que estava sendo caçada pelo governo. A partir daí, Tetsuo é levado por estes membros do governo à um local secreto e a história de Akira se desenrola.

tetsuo akira
Tetsuo

De cara é importante ressaltar que Akira é como se fosse um desabafo dos japoneses (ou pelo menos do autor) após a II Guerra Mundial. Nos seus primeiros momentos é mostrada uma bomba atômica que destrói Tóquio, fazendo alusão à Hiroshima e Nagasaki, duas bombas lançadas pelos Estados Unidos e que traumatizam o Japão até nos dias de hoje. Com a guerra fria rolando na época do lançamento do mangá, Katsuhiro Otomo representa em Akira o medo dessa tragédia voltar a acontecer, afinal, o país sempre foi uma potência econômica, e qualquer eminência de guerra é um perigo.

Este lado emocional se alia à uma visão muito comum dos anos 80 e 90: o pessimismo. Por mais que a cidade tenha se reconstruído, nada funciona, e isso nos trás discussões muito sólidas sobre filosofia, como o existencialismo e natureza humana. “Por que estamos vivendo isto? Vale a pena estar neste inferno? Este aqui sempre vai ser o destino da humanidade?”. Estas discussões formam o background de Akira, e que, neste primeiro momento, fazem o filme ser tão interessante.

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Kaneda

A sociedade de Akira funciona como se fosse uma terra anárquica, em que protestos são feitos quase 24 horas por dia, a polícia vai atrás dos “bandidos” sem entender o real motivo de estarem fazendo isto e as grandes empresas usurpam até a última gota de água da sua população. Dessa forma, os seres humanos buscam alento na religião, que inclusive tem seu próprio Messias no anime.

O cyberpunk tem como lema “high tech, low life”, ou seja, “alta tecnologia e baixa qualidade de vida”. Lawrence Person, escritor americano e grande responsável por disseminar este sub-gênero da ficção científica, diz que “os personagens do cyberpunk clássico são seres marginalizados, distanciados, solitários, que vivem à margem da sociedade, geralmente em futuros distópicos onde a vida diária é impactada pela rápida mudança tecnológica, uma atmosfera de informação computadorizada ambígua e a modificação invasiva do corpo humano.” Assim, Kaneda e sua gangue representam o oposto do que estamos acostumados com os animes japoneses, que geralmente tem protagonistas perfeitos, que buscam salvar a humanidade (ou algo maior dentro da história) acima de tudo. Kaneda, já descrente com o local onde vive, usa drogas, bate em pessoas, quer salvar alguém em específico e se torna o retrato fiel da persona que essa sociedade doente obriga as pessoas a serem. A interpretação destes conceitos com a realidade que vivemos é bem particular, porém, os ricos ficando mais ricos, contra pobres não tendo o que comer, me parece ser algo inevitável a cada dia que passa.

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Depois disso, teremos o aspecto técnico. O filme de Otomo, que teve um orçamento gigantesco devido ao crescimento econômico do Japão, foi feito a mão e a 24 FPS (frames por segundo). Como efeito de comparação, para ser considerada boa, uma animação precisa ter em torno de 8 FPS. Existe um documentário feito na época do lançamento que mostra em destalhes como tudo foi produzido. Cada luzinha de um prédio desenhado ponto a ponto, cada fio de braço mecânico. Em uma determinada cena onde Kaneda e seus amigos estão andando no meio da rua, todos os seus movimentos são feitos de forma independente, sem loop e sem reaproveitamento de quadro. É tudo muito detalhado e caprichado.

https://www.youtube.com/watch?v=x9Vbq1y5nL0

O visual cyberpunk de Akira é um dos mais lindos de todos os tempos. De acordo com o documentário, foram usadas 327 cores para desenhar o filme, sendo que pelo menos 50 delas são originais, elaboradas pelos próprios desenhistas. Katsuhiro Otomo foi um dos responsáveis por sintetizar os elementos dessa estética na cultura pop, e isso faz com que a animação ganhe corpo próprio independente do roteiro. É como se a cidade falasse com a gente enquanto vemos os personagens interagirem.

Akira é uma animação a frente do seu tempo, que levou o visual ocidental para dentro da oriental, que conquistou o mundo e elevou o nível das animações japonesas. Para os público, trouxe discussões filosóficas enquanto funciona muito bem como simples entretenimento. Lindo visualmente e altamente instigante, seus detalhes reconfiguraram para sempre a forma como que se dedica a fazer um filme.

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